Parecer – Rodeios

PARECER MÉDICO-VETERINÁRIO

Ilma. Sra. Sônia Fonseca

Presidente do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal

São Paulo – SP

 Em resposta à solicitação feita por V.Sa. de Parecer Técnico sobre RODEIOS, fundamentado em gravação investigativa elaborada pela entidade norte-americana SHARK – Showing Animals Respect and Kindness, assim como em nossa experiência de mais de 25 (vinte e cinco) anos de trabalho profissional e voluntário em prol do bem-estar animal, tendo acompanhado e vistoriado espetáculos de rodeios no Rio de Janeiro, assim declaramos:

Parecer Técnico

I – MONTARIAS DE CAVALO E DE TOURO

Sobre o uso do Sedém

O sedém é utilizado para forçar o animal, através do estímulo doloroso e do estresse que ele provoca, a saltar repetidamente e escoiceando para trás e para cima, caso contrário touros e cavalos não saltariam de forma tão impetuosa e adotando a postura observada e até possivelmente se recusariam a saltar, haja vista que após tantas exibições e treinamentos esses animais já apresentariam hábito de ser montado. Em rodeios acompanhados no Rio de Janeiro, em situações onde houve determinação de que não fosse utilizado o sedém, os rodeios foram interrompidos em virtude de os animais não terem saltado como necessário, simplesmente se esquivando e mesmo negando-se a saltar, sendo demonstrado, dessa forma, que sem o sedém o animal não tem o estímulo necessário para conduzir-se conforme o desejado para a realização da competição.

Há que se considerar também a observação feita que cavalos e touros só param de saltar e escoicear após o afrouxamento do sedém, mesmo já tendo o peão desmontado, o que demonstra que não é a montaria que o atormenta e, sim, o uso do sedém apertado em sua virilha. O comportamento de saltar e escoicear ininterruptamente, da forma que o animal apresenta, resulta da tentativa de se livrar do sedém.

Pode-se caracterizar o sedém como um instrumento que provoca estímulo de natureza tormentosa. O comportamento agitado, saltando, escoiceando, girando, correndo e até se jogando contra obstáculos do animal que o utiliza evidencia intenso estresse e dor provocados pela forte compressão, e a tentativa desesperada para livrar-se desse instrumento que o atormenta. O sedém, colocado em torno da virilha do animal, é fortemente tracionado no momento em que esse adentra a arena. A região da virilha aloja o sistema reprodutivo, entre outros órgãos, e é uma área bastante sensível, constituída de pele fina e de numerosas estruturas nervosas para a recepção da dor e de outros estímulos. Naturalmente, por um mecanismo primário de defesa da integridade física (instinto de sobrevivência) e preservação da reprodução (instinto de perpetuação da espécie), a virilha é uma região bem protegida pela maioria das espécies animais, podendo a compressão nessa região provocar alto nível de estresse e reações de pânico comparadas àquelas promovidas pelo ataque de um predador.

Discordamos da afirmação feita pelos promotores de rodeios que o sedém produz apenas cócegas na região inguinal dos animais. Cócegas são sensações físicas que provocam irritação ou movimentos convulsivos, causadas por toques ou fricções leves e repetidas em alguns pontos da pele ou das mucosas. No caso do sedém produz-se, ao contrário, intensa compressão, em que se conjugam a força do peão ao tracionar firmemente o sedém à entrada do animal na arena e a força do animal ao sair abruptamente do brete, ele mesmo contribuindo assim para o aumento da compressão. Conseqüentemente, o que se tem são compressão e fricções severas sobre a pele e órgãos da região inguinal, de modo algum podendo ser comparado à sensação de cócegas. Vale ressaltar que a região inguinal apresenta estruturas anatômicas importantes, como bexiga, ureteres, intestino e aparelho genital, que podem ser lesadas em virtude da compressão provocada pelo sedém.

Sobre o ambiente em que se realizam os rodeios

O som alto da música e do espetáculo pirotécnico, os barulhos diversos, a luz forte, a grande movimentação humana e o cheiro e visão da platéia assim como o horário noturno avançado em que se realizam os rodeios podem provocar altíssimo nível de estresse em cavalos e touros, uma vez que são produzidos em condições totalmente diversas do seu habitat e contrariando os hábitos naturais dessas espécies, provocando reações contrárias ao que se observa do comportamento normal desses animais. Esses estímulos estressantes provocam medo e suas reações conseqüentes como taquicardia, taquipnéia, enrijecimento muscular, entre outros, podendo até produzir um estado de pânico ou de confusão mental. A observação das pupilas dilatadas, por exemplo, embora estejam sobre iluminação intensa, é um dos sinais indicadores de estresse.

Sobre o uso de esporas nos rodeios

Nas provas de montaria, em que há uma espécie de “coreografia” com as esporas, dizem os promotores de rodeios que essas não causam ferimentos aos animais já que são empregadas esporas não pontiagudas. Observamos que o uso das esporas faz parte do espetáculo, sendo os movimentos mais valorizados em virtude de seu maior grau de dificuldade. O valor da pontuação vai variar com a posição e a região em que o animal é esporeado. As esporas, em verdade, podem provocar ferimentos em conseqüência da força empregada e das regiões sensíveis golpeadas repetidamente, podendo ser lesivas mesmo não sendo pontiagudas.

Algumas considerações sobre o comportamento do bovino e do eqüino

No pasto, em liberdade, os bovinos não são observados comumente saltando repetidamente e escoiceando, como se observa nos rodeios. A campo, o bovino pasta e rumina. A mecânica da ruminação exige tranqüilidade para que haja boa absorção do alimento. A sensação pós-prandial (“maré alcalina”) faz com que o animal procure ficar em repouso, sendo contra-indicado qualquer tipo de exercício físico, o que só ocorre por estimulo externo. No pasto, o bovino ou está pastando ou ruminando em repouso ou, eventual e raramente, em alguma disputa. Quando bovinos entram em disputa, podem inclusive tentar chifrar exatamente a região inguinal, no entanto, os animais não mostram a reação de coices e saltos repetidos com a mesma impetuosidade demonstrada com o uso do sedém, procurando afastar-se do rival o mais rápido possível.

Um bovino, portanto, é caracterizado como um animal de comportamento linfático, isto é, é uma espécie que reage lentamente aos estímulos externos. As reações observadas nas arenas dos rodeios são completamente contrárias as que os bovinos apresentam em condições naturais.

Em relação ao cavalo, quanto montado com freqüência por peão experiente, normalmente obedece com docilidade aos comandos, comportamento esse diferente do que é demonstrado nos espetáculos de rodeios. O uso de artefatos como sedém e peiteiras, que atormentam os animais, podem ser responsáveis, entre outros, por sua conduta tão agitada na arena.

II – PROVAS COM BEZERROS, GARROTES E NOVILHOS

I) Nome da prova: Laço de bezerro. 

Nome em inglês: Calf roping.

Descrição: Um bezerro entra correndo na arena. O peão sai atrás dele e deverá laçá-lo, parando-o. Após a laçada, o peão desmonta, pega o bezerro, eleva-o e derruba-o ao chão e amarra três de suas patas. Ao levantar o braço, indica o término de sua tarefa. O bezerro deve permanecer imóvel por seis segundos. Há competição pelo menor tempo.

Algumas considerações comportamentais

Do ponto de vista comportamental, considerando a relação da vaca com seu bezerro, a idade mais conveniente para o desmame é por volta dos 7 meses. Quando o bezerro tem cerca de sete meses de idade, a vaca naturalmente vai reduzindo a freqüência das mamadas e estimulando a independência do filhote. Sendo assim, a separação se faz de modo natural, não sendo traumática nem para um nem para o outro.

A prática de separar um bezerro da mãe em idade precoce causa prejuízos tanto para o bezerro quanto para a vaca, sob o ponto de vista fisiológico e também comportamental. No caso do bezerro, predispõe o animal a doenças em função de seu sistema imune imaturo e do seu desenvolvimento ainda incompleto, além de lhe provocar frustrações com a falta de convivência materna. No caso da vaca, impede que ela realize o comportamento materno, pauta de conduta instintiva que o animal naturalmente é impelido a executar e que, ao ser frustrada, passa a ser motivo de intenso estresse. A prática, portanto, é bastante prejudicial ao bem-estar desses animais. Sendo o motivo da separação a utilização de animal tão jovem em competições, é especialmente cruel. A prática do rodeio exige intensamente do animal em termos físicos, especialmente de sua capacidade de locomoção e de sua resistência em geral, mas também em termos comportamentais, já que o animal precisa estar emocionalmente preparado para enfrentar alto nível de estresse. Em se tratando de um bezerro, ainda despreparado para lidar com situações de estresse intenso e realizar esforços físicos violentos, pode-se considerar a prática como cruel e condenável.

Os riscos da prova denominada Laço de Bezerro

A contenção brusca de um animal em disparada e sua violenta derrubada contrariam a biomecânica do aparelho locomotor, produzindo um sistema de forças com resultante contrária à biologia do andamento do animal. Essa situação pode provocar ruptura de músculos, tendões e ligamentos, hemorragias, luxação ou fratura de vértebras e de outras estruturas ósseas, produzindo, portanto, lesões traumáticas que podem, inclusive, levar ao comprometimento da medula espinhal com paralisia ou morte imediatas.

Nessas provas são usados animais de 40–45 dias de vida, ainda com seu desenvolvimento ósseo imaturo, o que significa possuir estruturas frágeis e mais vulneráveis. Ao sofrerem contenção brusca, suspensão do solo à altura da cintura do peão, derrubada violenta e imobilização dos membros, tudo no menor tempo possível, correm, portanto, riscos de lesões graves, entre elas, ruptura de órgãos internos, hemorragia, lesões e fraturas de músculos, ossos e ligamentos, traumatismos na coluna vertebral e crânio-encefálico, podendo gerar danos irreversíveis, inclusive a morte do animal. A prática, conseqüentemente, é acompanhada de reações intensas ao estresse, configuradas especialmente pelo medo e pelas tentativas contínuas de escape.

A repetição desses procedimentos com o mesmo bezerro, em competições e no treinamento, provoca o agravamento e cronificação das lesões, podendo produzir danos irreparáveis, incluindo paralisias e morte, e a intensificação do estresse com os sinais característicos de ansiedade e medo exacerbados, perda de peso, agressividade e estereotipias.

II) Nome da prova: Derrubada de novilho

Nome em inglês: Calf wrestling ou bulldogging

Descrição: O novilho entra correndo na arena. Dois peões saem a cavalo logo após, um de cada lado do animal, o da direita apenas para manter o bichinho na direção correta.  O peão da esquerda salta do cavalo em cima do novilho, tombando-o, com uma torção do pescoço no chão.  Vence o peão que realiza a tarefa no menor tempo.

Algumas considerações comportamentais

Cenas gravadas mostram os animais sendo atormentados e machucados ainda dentro dos bretes, tendo as caudas repetidamente puxadas e torcidas, recebendo chutes, golpes e choques elétricos, contra os quais reagem se debatendo e tentando fugir, motivo pelo qual, ao serem abertas as porteiras, entram na arena em disparada. Esse tipo de manipulação, que provoca a entrada do animal na arena em disparada, pode também ser observado em outros tipos de provas em que se utilizam bezerros, garrotes e novilhos.

Os riscos da prova denominada Derrubada de Novilho

Ao ser produzida a derrubada através de violenta e abrupta torção do pescoço, o animal sofre forte impacto em sua coluna vertebral, especialmente na região cervical, o que pode provocar luxações e fraturas de vértebras, lesões musculares e de ligamentos, traumatismos na medula espinhal e craniano, com o risco de paralisia permanente e morte.

 A repetição desses procedimentos com o mesmo animal, em competições e no treinamento, provoca o agravamento e a cronificação das lesões, podendo produzir danos irreparáveis, incluindo paralisias e morte, e a intensificação do estresse com os sinais característicos de ansiedade e medo exacerbados, perda de peso, agressividade e estereotipias.

III) Nome da prova: Laço em dupla.

Nome em inglês: Team roping.

Descrição: O novilho entra na arena em disparada.  Dois peões entram atrás. Ambos devem laçar o jovem bovino. O laçador cabeceiro deve laçar a cabeça do animal, enrolando a corda na parte frontal da sela. O laçador peseiro deve laçar as patas traseiras do bicho logo após a realização da tarefa pelo peseiro. A prova termina quando os dois laçadores se posicionarem um em frente ao outro, com as cordas esticadas. Vence a dupla que realizar a tarefa no menor tempo.

Os riscos da prova denominada Laço em Dupla

Essa prova pode provocar estresse intenso e traumatismo violento em todo o corpo, incidindo em lesões de maior gravidade na coluna vertebral, especialmente na região cervical, e nas articulações coxofemorais.

A repetição desses procedimentos com o mesmo animal, em competições e no treinamento, provoca o agravamento e a cronificação das lesões, podendo produzir danos irreparáveis, incluindo paralisias e morte, e a intensificação do estresse com os sinais característicos de ansiedade e medo exacerbados, perda de peso, agressividade e estereotipias.

IV) Nome da prova: Laço de garrote.

Nome em inglês: Steer busting, steer tripping.

Descrição da prova:

O garrote entra na arena correndo, o peão logo atrás, em sua perseguição. O peão deverá laçar o animal pela cabeça, fazendo-o tropeçar com uma pata traseira no laço, caindo. O peão deve amarrar a corda na frente da sela, apear, correr para o garrote, amarrar três patas para imobilizá-lo. Vence quem realizar a tarefa no menor tempo. 

Os riscos da prova denominada Laço de Garrote

Essa prova pode provocar ruptura de órgãos internos, hemorragia, lesões e fraturas de músculos, ossos e ligamentos, traumatismos na coluna vertebral e crânio-encefálico, estresse e sensação de asfixia.

A repetição desses procedimentos com o mesmo animal, em competições e no treinamento, provoca o agravamento e a cronificação das lesões, podendo produzir danos irreparáveis, incluindo paralisias e morte, e a intensificação do estresse com os sinais característicos de ansiedade e medo exacerbados, perda de peso, agressividade e estereotipias.

CONCLUSÃO

As provas de montaria em cavalos e touros, assim como aquelas em que se usam bezerros, garrotes e novilhos, realizadas em espetáculos denominados rodeios, devem deixar de ser praticadas porque: a) envolvem riscos inerentes e graves aos animais utilizados, tanto no que diz respeito à sua integridade física quanto à vivência de intenso estado de estresse, podendo inclusive provocar danos permanentes ou morte, além de riscos evidentes ao homem; b) não se justificam como forma de entretenimento humano considerando a relação custo-benefício e c) a legislação brasileira proíbe a realização de práticas que envolvam maus-tratos, abusos e crueldade com animais (Constituição Federal, art. 225 e Lei Federal nº 9.605/98, art. 32).

Rio de Janeiro, 25 de abril de 2005. 

Mariângela Freitas de Almeida e Souza, MSc – Médica Veterinária – CRMV/RJ nº 5012.

William Ribeiro Pinho, MSc, PhD – Médico Veterinário – CRMV/RJ nº 0463.

 

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